O HACKER MENTAL

O HACKER MENTAL

O HACKER MENTAL é uma narrativa de alto impacto; a sua leitura transporta para as profundezas da mente, lugar onde se encontra escondida a intimidade mais defendida e, por isso, menos acessível às habituais interacções entre as pessoas mas também, frequentemente, escondida da própria pessoa. É a partir dessa intimidade mental que o comportamento vai ser dirgido; quem controlar as profundezas controla a pessoa. O HACKER MENTAL é uma história de invasão mental mas também de conhecimento e manipulação humana.

Máscara

Eu sou a máscara
Da mentira do jornal
Do pânico social
Da corrupção mundial
Da política do mal

Eu sou a máscara
Do povo que não tem sorte
E sofre o medo da morte
É o medo de sofrer
É o pânico de morrer

Eu sou a máscara
A máscara do povo que sofre
Do dinheiro guardado no cofre
Da corrupção política
Que o povo tanto crítica

Eu sou a máscara
Do jornalista que mente
Engana o povo e a gente
A todos numa só voz
Netos, filhos, pais, avós

Eu sou a máscara
Máscara da corrupção
Do político aldrabão
Do político ladrão
Máscara da podridão!

Dia 11 de Junho de 2020

O HACKER MENTAL

CAPÍTULO II – As fragilidades da mente
Como era habitual, um traço de carácter comportamental típico de Pat, chegou atrasado ao encontro com Orisa. Sentada numa mesa, na esplanada, junto ao restaurante, conversava com amigos comuns que acabara de descobrir; Pat desculpou-se com a intensidade da carga de trabalho, …
- Desculpa Orisa, ... o trabalho acumulou-se todo para o fim da manhã.
- Nós sabemos como é ... !? - gracejou um dos amigos habituado a estes atrasos de Pat Le; normalmente chegava precisamente no momento limite em que o restaurante estava para encerrar o serviço de refeições.
- Pois, ... pois, … eu também sei! - exclamou Pat Le em tom jocoso entrando na brincadeira - vou buscar a minha comida lá dentro e já aqui volto para vos fazer companhia e conversar durante o almoço.
Enquanto se deslocava para a zona de refeições e esperava que o servissem, Pat reflectiu mais uma vez na sua estratégia de abordagem inicial ao território mental de Orisa.
- "Não há não comunicação, ..." - pensou - "Não irei analisar apenas os seus actos falhados conjuntamente com os lapsos de linguagem e os esquecimentos, … todos os seus gestos, entoações da voz, pausas e silêncios no discurso, sequências de comunicação, interrupções de pessoas, mudanças dos temas da conversa, ... tudo ... analisarei tudo, ..." - Pat sabia bem que na fase inicial de uma invasão mental é preciso sondar as estruturas defensivas, é preciso obter o máximo conhecimento  sobre a pessoa que vai ser invadida. Como numa situação de espionagem, a pessoa não pode suspeitar que está a ser profundamente observada, o seu comportamento tem de ser natural e espontâneo, só assim se vai compreender o seu dinamismo mental nos aspectos mais íntimos da sua vida pessoal e do seu desenvolvimento emocional.
- "Vou permitir e estimular que ela me fale dos antecedentes íntimos da sua vida pessoal, da sua infância, ... das suas brincadeiras, ... dos seus desejos e fantasias, ..."
Para Pat Le não existia uma técnica especial de invasão mental, a sua atitude e respectiva metodologia consistia numa analogia conceptual com as situações clássicas de guerra, de conflito bélico entre os povos e entre as nações; fundamentava-se numa espécie de bélicologia, uma guerrilha moral em que todas as técnicas, desde que conseguissem atingir os seus propósitos, eram válidas; tanto poderia usar métodos próprios da psicanálise com a análise dos actos falhados, da associação livre, dos sonhos, da transferência, das resistências e defesas do ego, como poderia usar as técnicas das teorias do comportamento com as associações simples entre estímulos e respectivas respostas ou os condicionamentos operantes compreendendo os reforços comportamentais decorrentes das punições e recompensas; nada lhe escapava, frequentemente usava outras metodologias como a análise da linguagem corporal e das transacções emocionais, por vezes numa perspectiva sistémica outras apenas negocial, mas também as técnicas projectivas, hipnóticas e até o psicodrama, a retórica e a oratória faziam parte do seu arsenal; era uma atitude própria de quem, conhecendo as leis e filosofia da guerra, lida com uma espécie de conflito bélico de natureza mental.
Entretanto aproximou-se da mesa da esplanada onde se encontrava Orisa e os amigos:
- Importam-se que coloque aqui o meu tabuleiro com a comida? – perguntou.
- Claro que te podes sentar e comer à vontade, … – responderam – não é novidade, já estás habituado – comentaram alguns em tom alegre e convidativo.
Orisa esboçou um sorriso tímido e remexeu-se na cadeira, onde se encontrava sentada com as pernas trançadas dando relevo às suas ancas e coxas que, justinhas ao corpo, por baixo das calças de ganga, se mostravam bem torneadas; sabia que com esse movimento chamaria a atenção de Pat para a sua esbelta figura feminina mas fingia ignorar.
Pat Le pensou:
- “Quer-me chamar a atenção para o seu corpo bem feito, … ela sabe que me quer chamar a atenção, … mas não sabe que eu lhe conheço as intenções, … ela sabe o que quer mas não sabe que eu sei, … ela não sabe que eu sei que ela sabe o que quer, …”
A voz forte e emotiva, alta e nítida, de um amigo mais velho, professor aposentado, que ali se encontrava a conversar, interrompeu subitamente o seu pensamento, o seu solilóquio interior circunstanciado e próprio de uma personalidade organizada ou até ligeiramente anancástica; dizia o professor enquanto fitava Orisa em tom provocador:
- Quando um professor entra na sala de aula, todos os alunos se têm de pôr de pé, … em sentido! Na sala de aula quem manda é o professor! Tem de se impor uma disciplina de ferro! … Uma disciplina militar!
Orisa, sentindo a provocação, respondeu baixinho, com uma calma pouco natural, aparentemente forçada, que a fazia parecer retraída e tímida, insegura e com medo de se expressar ou de ser mal interpretada:
- Isso era dantes, … agora são os alunos quem manda nos professores, …!
Pat Le observando o comportamento e interacção verbal de Orisa compreendeu imediatamente que esta se submetia à opinião valorativa que os outros faziam da sua própria pessoa; Orisa tinha baixa auto-estima, valorizava mais os outros do que ela própria, valorizava mais o exterior do que o seu interior; as suas transacções emocionais interpessoais pareciam indicar, nesta primeira abordagem, uma pessoa cuja posição de vida supõe e acredita que os outros, as outras pessoas, estão bem e ela própria está mal, uma posição ou atitude para com a vida, própria de uma pessoa depressiva. Passado algum tempo, quando o referido professor aposentado, lhe traçou rasgados elogios para com a sua patente jovialidade e beleza corporal, cuja idade aparente se manifestava muito inferior à idade real; Orisa apenas esboçou um leve sorriso, corou muito ligeiramente e relançou um breve olhar para Pat Le, baixando imediatamente a cabeça.
- Estás a ver Pat Le, não passa dos trinta anos! – exclamou provocadoramente o professor aposentado – não te parece Pat Le? – continuou – quantos anos lhe dás! Vamos a ver quem se aproxima mais da sua idade verdadeira! – lançou o desafio.
Pat Le estava habituado a avaliar a idade aparente das pessoas que sempre comparava com a respectiva idade real, pensou: - “Está na casa dos quarenta” - porém aceitando o desafio fingiu desconhecer e prosseguiu:
- Trinta e oito anos!
- Não chega! – afirmou o professor – menos, … muito menos, … trinta e três! Com este corpo jovem e bem feito, … não passa dos trinta e três!
Enquanto falava com o professor, Pat Le observava discretamente Orisa, focalizava a sua atenção na linguagem corporal que a revelava visivelmente satisfeita; Orisa sentia-se muito agradada enquanto assistia e presenciava que o seu corpo e a sua idade jovial eram o motivo e o centro da conversa entre os homens. Num coquetismo aparente remexeu-se na cadeira, alisou os cabelos e ajustou as calças na cintura; sentada, com as mãos repousando descontraidamente nas coxas e os dedos levemente direccionados para o interior, como que apontando os órgãos genitais, numa atitude de intensa sedução corporal, fingiu vergonha e disse em tom baixo mas audível:
- Quarenta!
- Quantos? – quis confirmar o professor aposentado.
- Sim, … quarenta! – repetiu assertivamente olhando mais demoradamente os olhos de Pat numa atitude mista de sedução e pedido de auxílio; como que pretendia ajuda para sair dessa situação supostamente embaraçosa.
As respostas não verbais do seu comportamento corporal, que sucessivamente emitia e associava aos estímulos e provocações masculinas, fundamentavam em Pat Le a convicção, cada vez mais profunda de que a corporalidade desempenhava uma função muito importante na mente de Orisa; também as manifestações de timidez e insegurança assim como uma atitude de vida depressiva em face das outras pessoas conduziam à ideia de uma fixação narcísica pré-edipiana no desenvolvimento emocional; por outro lado o seu coquetismo e a vontade de seduzir começavam a fazer lembrar algum problema de identificação na fase fálica de ultrapassagem do complexo de Édipo.
- Ganhei o desafio! – fez-se ouvir a voz brincalhona de Pat Le em tom muito claro, alegre, divertido e inequívoco – Quem perdeu paga o café!
- Como? – interrogou o professor tentando ganhar tempo e compreender o alcance e natureza da sua derrota.
- Pois, … quem perdeu paga o café! Fiquei mais próximo da idade real, … ganhei e agora vais pagar um café a cada um de nós, …!
Todos concordaram que assim teria de ser, …
- Beber um café à borla é sempre bom, …!? - brincavam alguns com a derrota do professor que prontamente se disponibilizou a cumprir os desígnios dos amigos.
Apesar das dúvidas sistemáticas associadas à personalidade anancástica, quase obsessiva de Pat Le, tornava-se cada vez mais evidente que a estrutura mental de Orisa tinha como núcleo central uma frustração narcísica libidinosa na fase oral do desenvolvimento sexual.
- “Parece-me que estou quase a compreender um núcleo central para a sua personalidade aparentemente depressiva” – pensava Pat Le sob a forma de dúvida – “mas, … os traços histriónicos associados ao seu coquetismo fingido, …?” – interrogava-se – “Haverá algum problema com a fase fálica do desenvolvimento? Como é que ultrapassou o complexo de Édipo?” – continuou – “Apesar de ser professora no activo, nunca se identificou como tal, … também ainda não assumiu claramente qualquer identidade, … apesar de saber que é uma mulher bem torneada, usa calças de ganga, … mas não aparenta traços comportamentais de masculinidade, … parece responder a estímulos de homens mais velhos com tentativa de sedução, …”
A análise inicial de Orisa parecia conduzir a uma estrutura de carácter cujos mecanismos defensivos predominantes poderiam ser a introjecção, incorporação e identificação; na realidade e numa abordagem estratégica, mais global, parecia que a grande fragilidade mental de Orisa consistia numa dificuldade de interiorização, um problema ou dificuldade em transpor para dentro de si algo localizado no seu exterior. A relação interpessoal ainda estava a dar os primeiros passos e Pat Le precisava de compreender e agir com segurança, a dúvida e incerteza obsessiva da sua personalidade, associadas com o perfeccionismo escrupuloso, impunham a necessidade de mais dados objectivos antes de firmar definitivamente a sua estratégia.
- Então, …! Não querem beber o café? – ouve-se a voz do professor que subitamente interrompeu os pensamentos de Pat Le – primeiro reivindicam e depois não querem! – afirmou rindo em altas gargalhadas, ninguém ficou indiferente; beberam o café, riram e divertiram-se, conversaram mais um pouco e depois cada um foi para os seus afazeres.
Pat Le e Orisa ficaram finalmente sozinhos, tinham de decidir o que fazer; olharam-se interrogadamente nos olhos durante um breve instante:
- Vamos a um centro comercial que fica perto da minha casa – propôs Orisa – como são quase cinco horas da tarde e tenho de fazer umas compras, aproveito a tua companhia.
- No teu ou no meu carro? – perguntou Pat Le.
- Sabes, … como tenho de fazer as compras, também tenho de levar o meu, … não as posso carregar sem o carro – desculpou-se Orisa.
Chegaram rapidamente a acordo, levariam cada um o seu e combinaram encontrar-se num bar que se localizava no interior do centro comercial.
- Encontras-te facilmente lugar para estacionar – quis saber Pat Le, já sentado em frente de Orisa, no bar do centro comercial.
- Sim, ficou junto de um pilar com um traço verde.
- Engraçado! – exclamou Pat – o meu também ficou no sector verde.
- Está calor e tenho sede; vou beber uma água.
- Espera aí, … eu vou beber um café a já te trago a água – disse Pat em tom cavalheiresco enquanto, sem qualquer demora, se dirigia rapidamente para o balcão. Transportou a água e o café até à mesa onde estavam sentados:
- A sua água senhora, … faz favor! – iniciou engraçadamente a brincar, como que para quebrar o silêncio e dissipar quaisquer formalidades que eventualmente se pudessem vir a originar no decurso da conversa.
Orisa também não queria formalidades, pretendia aproximação, calor humano. Deixaram o discurso fluir livremente, era quase uma associação livre de ideias, sem censuras, sem escolher as palavras, sem determinar o curso das ideias e do pensamento; a aceitação bilateral era plena e a sincronização da relação interpessoal progredia rapidamente. Quando o tema ou o contexto da conversa abordava o corpo humano, Orisa fazia habitualmente uma pausa maior no discurso, por vezes desviava levemente o olhar ou tentava muito subtilmente mudar de assunto. Pat confirmava sucessivamente a sua opinião inicial sobre aquilo que a afectava, designadamente os problemas com a corporalização e a respectiva frustração fundamental na fase oral do desenvolvimento emocional da libido; como que num insight compreensivo das suas próprias emoções e afectos que tanto a faziam sofrer, mas também dos seus medos e ansiedades, quase adivinhando que Pat a analisava profundamente, Orisa negando invertidamente os seus sofrimentos, tentou um mecanismo de defesa que, próximo da formação de reacção, fosse capaz de lhe manter a constância do orgulho narcísico:
- Sabes, … tenho uma dor neste pulso!
- Deixa ver! – quis observar Pat agarrando-lhe com suavidade a mão e palpando lenta e demoradamente os ossos do carpo, como que a pesquisar algum sinal de doença. Pat Le sabia bem que a beleza do revestimento cutâneo, conjuntamente com o sentido do tacto, constituem o maior contributo para a progressão de uma relação erotizada assim como para o desenvolvimento transferêncial, em direcção à pessoa do interlocutor, transferindo as vivencias do passado, mormente relacionadas com os amores antigos e primariamente com o amor ao pai, no decurso do complexo de Édipo. Orisa começou por se retrair um pouco corando levemente, mas rapidamente aceitou a situação, gostou e quis avançar na corporalização da relação; sabia-lhe bem a erotização de um toque, de um palpar masculino sobre a sua pele lisa e macia.
- Também tenho uma manchinha, … uma mancha com um altinho, aqui em cima no peito, junto ao pescoço – explicou enquanto afastava ligeiramente a camisa tornando visível o motivo da sua aparente preocupação.
Pat Le compreendia tudo perfeitamente, sabia o que ela queria, conhecia os seus anseios e necessidades ocultas, sabia também que ela apenas concebia a dúvida hipotética de o desejar mas queria demonstrar-lhe desejo; era um desejo carnal porém, acima de tudo, ela acreditava que Pat a desejava, ela acreditava profundamente que Pat lhe desejava o corpo, e queria seduzi-lo, queria entregar-lhe o corpo como forma de sedução em troca da sua submissão, entregava-lhe o corpo em troca do próprio enaltecimento, grandioso e narcísico mas também porque sabia estar a envelhecer, sabia estar a perder as qualidades estéticas corporais a que estava habituada nas suas relações anteriores. Orisa tinha dificuldade em amar, estava demasiado apaixonada por si e pelo seu corpo para poder amar alguém, no campo do enamoramento e das relações amorosas, tinha como antecedentes pessoais o uso frequente e habitual da corporalidade e do sexo como forma de sedução e queria repetir esses comportamentos com Pat Le que, levantando-se da cadeira, torneou a mesa e aproximou-se de Orisa; com naturalidade olhou demoradamente para a mancha numa inspecção minuciosa, encostou-se levemente ao seu corpo e tacteou-lhe vagarosamente a manchinha, passou lenta e suavemente a polpa dos dedos e informou:
- Parece uma queratose seborreica mas, … ainda és muito jovem.
- Isso é mau? – quis saber Orisa numa preocupação simulada; a entoação da sua voz algo melada e coquete assim como a postura da linguagem corporal revelavam que pretendia mais do que uma simples palpação cutânea.
- Não, não é mau, … costuma aparecer mais com o avanço da idade, ... – brincando – a idade não perdoa! – e voltando imediatamente a tactear, exclamou – deixa-me palpar outra vez – continuou – agora a tiróide! – e palpou-lhe delicadamente o pescoço que envolveu com as suas mãos grandes e masculinas enquanto sentia o relaxamento muscular feminino numa descontracção típica de quem estava a sentir um enorme e agradável prazer de entrega à sensualidade corporal, pensou:
- “Ela está a gostar da brincadeira, … estamos a brincar aos médicos, … é assim que elas se engatam, …” – imediatamente entendeu a regressão em fantasia como mecanismo defensivo – “… por vezes quando, na infância, as meninas brincam aos médicos com rapazes mais velhos procuram realizar, em fantasia, o desejo incestuoso relacionado com o complexo de Édipo …” - ao regressar a um nível de desenvolvimento emocional anterior, Orisa procurava não apenas ultrapassar, numa fantasia simbólica, o complexo de Édipo transferindo para o médico o amor infantil pela figura paterna, mas também regressar a uma fase polimórfica da sexualidade em transição para a oralidade libidinosa cuja frustração fundamental lhe originou a primeira ferida narcísica responsável por muitas das suas actuais fragilidades mentais; a proximidade táctil da mão masculina, no pescoço, junto da boca, promovia precisamente essa regressão transferêncial para a fase oral da sua sexualidade.
- A minha mãe tem uma doença da tiróide – afirmou Orisa demonstrando procurar informação sobre essa doença e a palpação que estava a sentir.
- Em ti não se consegue palpar nada.
- Já tive um nódulo da tiróide – continuou – fiz uma ecografia da tiróide e uma biopsia.
- Punção biopsia aspirativa? – interrogou Pat Le.
- Não sei, … acho que sim. O médico espetou-me uma agulha e disse que ia retirar um bocado para analisar.
- Bom, … agora não se palpa nada, … - disse Pat enquanto se retirava e deslocava para a sua cadeira em frente de Orisa.
Continuaram a conversa, a associação de ideias era fabulosa, fluía praticamente livre de censuras e de oposições, Orisa relatava as suas experiências de enamoramento, paixão e amor sem escolher as palavras; quando abordava casos anteriores relacionados com homens mais velhos, os seus olhos adquiriam um brilho especial de agrado, pousavam no indefinido enquanto esboçava um sorriso de prazer e saudade. O reflexo condicionado entre o fluxo das ideias guardadas na memória e a linguagem corporal de prazer associada ao enamoramento com homens mais velhos, davam a Pat a noção clara de que Orisa gostava de homens mais velhos e fora com eles que, ao longo da sua história pessoal de experiências amorosas, obteve mais prazer e felicidade.
- Sabes, … - iniciou Orisa na sequência de uma pequena pausa em que ambos pareciam reflectir – há cerca de um ano tive um caso com um homem mais novo do que eu quatro anos, ele tinha trinta e seis anos; … dele gostei, … mas ele não me quis, quando reparou que as raízes dos meus cabelos já estavam a ficar brancas, … não me quis, os homens gostam de mulheres mais novas e jovens.
- “Novamente a corporalidade, … a corporalidade e a idade” – pensou Pat – “afirma esta perda, esta quebra de relação com tão bem estar manifesto, vê-se logo que não teve gosto por esse homem, … não demonstra sentimentos de perda e de abandono, não houve quebra afectiva, não existiram sintomas depressivos, … logo não gostou desse homem; … tudo isto vai de encontro à minha observação inicial, … ela gosta de homens mais velhos” – interrogou:
- Como foram as tuas relações com os teus pais? Ainda não me falaste da tua infância. Como foi a Orisinha, na sua tenra idade? Pequenina e indefesa. Fala-me da tua infância! Gastava de saber como te desenvolveste, como foste crescendo, nas tuas interacções com os teus pais – disse mostrando, pela primeira vez, todo o seu interesse em a conhecer melhor, sobretudo nos aspectos mais recônditos do seu passado.
- Foi uma infância normal, … parece que a minha mãe apenas me deu mama durante o primeiro mês ou, … não chegou bem a um mês, … “engraçado! nem cheguei a mamar um mês! – reflectiu –“ … depois terá desaparecido, penso que foi para a Austrália; o meu pai falava-me muito da minha mãe, … sim, falava-me muito da minha mãe, … dizia que ela foi trabalhar para a Austrália onde vivia com a esposa e filhos de um irmão mais velho; mais tarde alguém colocou a hipótese de a minha mãe ter abandonado o meu pai para emigrar com outro homem, … não sei, … quando realmente a conheci já eu era licenciada, já tinha andado na universidade e feito o meu curso, … quando eu perguntei, algumas vezes, à minha mãe sobre o passado, apenas respondeu que foram outros tempos, … tempos difíceis, … acomodei-me. Disse tudo! Ficou tudo esclarecido ou queres saber mais alguma coisa?
- Tudo bem – respondeu – vamo-nos conhecendo aos poucos.
Lentamente ia corroborando as suas ideias iniciais, as dificuldades mentais relacionadas com os mecanismos defensivos de introjecção e incorporação em estreita relação com a frustração da amamentação, na fase de sucção e incorporação do leite materno; interrogava-se pensativamente:
- “Como se terá sentido uma criança que viveu no útero materno até ao seu nascimento, ouvindo a voz da mãe e sentindo as batidas do seu coração e depois, de repente, sai cá para fora, … é amamentada alguns dias mas, também de repente, perde o rasto e o convívio com a mãe até a idade adulta? Ainda nem sequer tinha os dentes a nascer, não me parece que, nesse período, tenha desenvolvido qualquer sadismo para com a sua mãe, … foi uma frustração, uma ferida narcísica muito grande, … dai os seus problemas com a corporalidade, com o seu narcisismo corporal”.
Mas a identificação também fazia parte de uma das defesas do ego. Naquele período próprio do complexo de Édipo, quando a Orisa criança desejava agradar e cativar o seu pai e frustradamente nunca conseguiu; a rivalidade não se concretizou com uma mãe realmente existente no seio da família mas sim com uma mãe ideal, uma mãe cujas características vivenciais e comportamentais lhe foram relatadas pelo pai, uma mãe que não rivalizou directamente com a filha na conquista edipiana do pai mas sim e apenas no domínio das ideias; o pai rejeitava o amor libidinoso da filha em prol de uma mãe ausente e para ultrapassar essa frustração amorosa, na tentativa de mais tarde, no futuro, vir a conquistar o pai, Orisa teve de se tornar igual à sua mãe, teve de se identificar com a mãe; não uma mãe real já que esta estava ausente e, por isso, não podia servir de modelo a imitar nos moldes de uma aprendizagem vicariante, mas sim aquela mãe ideal cujas características lhe eram apenas transmitidas pelo pai; foi essa identificação com a mãe ideal que conduziu ao ideal do ego numa Orisa finalmente capaz de ultrapassar o complexo de Édipo; mas essa identificação com o ego ideal deixou fragilidades.
- Queres-me conhecer melhor? – perguntou Orisa cortando os pensamentos de Pat, com uma entoação da voz suave, ligeiramente arrastada e malandra, o esboço de um sorriso matreiro e a cabeça levemente inclinada com um olhar prolongadamente fixando os olhos de Pat numa atitude decente, algo tímida, como que querendo deixar a dúvida sobre um eventual convite ao enamoramento.   
- Bom, … estamo-nos a conhecer, … - balbuciou Pat querendo ostensivamente mostrar-se algo surpreendido pela abertura da conversa; bem sabia que estavam a caminhar para uma relação emocionalmente fortalecida mas também queria demonstrar que não esperava uma abertura tão rápida e, para o seu entendimento sobre a mente humana, tão directa.
Pat Le tinha finalmente analisado e compreendido a barreira defensiva de Orisa, confirmou e consolidou a ideia de que a introjecção, incorporação e identificação constituíam os principais mecanismos defensivos cristalizados num carácter, num modo de ser, de sentir e agir, cujo principal problema se relacionava com a interiorização dos elementos e entidades presentes no ambiente; as dificuldades problemáticas relacionados com a interiorização do exterior poderiam agora ser canalizadas para uma estratégia global de manipulação mental.
Apesar de ter descoberto e localizado as principais defesas que barravam, em Orisa, a entrada na mente, ainda procurou outras estruturas defensivas, porventura menos eficazmente utilizadas, mas também quis encontrar sinais de conflitualidade interna que lhe facilitassem a invasão mental:
- Tens medo de alguma coisa? Quais são os teus medos? Fala-me dos teus medos! - disparou com uma surpreendente rapidez capaz de ofuscar o pensamento e o raciocínio lógico.
- Bem, ... huuuum, ... bem, .... haaa, ... medo não, ... mas, ... talvez, ... receio, talvez receio, ...
Pat Le poderia ter iniciado imediatamente a sua confrontação mental, poderia iniciar a análise e destruição das defesas inconscientes procurando progredir sucessivamente na invasão mental; toda aquela hesitação verbal e a correspondente linguagem corporal forneciam elementos, ... mas não, ... esperaria, tinha muito tempo para o fazer, ... ainda estava numa análise exploratória; manteve-se calado, em silêncio, sabia que o silêncio numa conversa, sobretudo entre duas pessoas, se torna incomensuravelmente constrangedor e capaz de levar a pessoa mais frágil e mais insegura a, quebrando o silêncio, revelar algo de si própria.
- Bem, ... referiu Orisa - por incrível que pareça tenho permanentemente uma sensação de receio, um receio constante, até talvez, ... um medo, ... - calou-se uns momentos e continuou - quando algo na minha vida, me está a correr bem, fico com medo porque sinto que a seguir virá algo de mau, isto é, como que a seguir a um prazer terá que, inevitavelmente, surgir-me um sofrimento.
Estas revelações configuravam um sofrimento mental masoquista doentio, típico de quem não é capaz de aceitar o prazer e a felicidade que a vida lhe oferece; manteve o silêncio constrangedor apenas emitindo um som nasalado e indefinido:
- Hhhuuuuum, ...
-Olha, ... não sei, ... - prosseguiu - quando as minhas colegas e amigas afirmam que sou uma professora de sucesso eu respondo que normalmente, na vida, desempenho as  minhas tarefas,  os meus comportamentos e as minhas realizações pessoais, mais para fugir ao fracasso do que para alcançar o sucesso; sabes como é, ... no fundo, ... no fundo, ... é o medo que me move e não a vontade de sucesso.
A conjugação de dados e as informações fornecidas tornavam claro, no entendimento de Pat Le, que as estruturas defensivas não eram capazes de acalmar a conflitualidade intrapsíquica inconsciente entre os padrões e normas culturais interiorizados e as necessidades libidinosas insatisfeitas e que a todo o momento, na consciência de Orisa, reivindicavam satisfação.
Inesperadamente, a sobrepor-se à habitual música de fundo, omnipresente no centro comercial, ouve-se através dos altifalantes, a característica sessão de encerramento; estavam tão envolvidos na conversa que nem notaram o tempo a passar. Sim, eram já onze horas da noite, para infelicidade de ambos, os altifalantes do centro comercial anunciavam o respectivo encerramento.
- Como o tempo passou depressa – desabafou Orisa – amanhã tenho que trabalhar e, quando chegar a casa, ainda preciso de preparar umas tarefas.
- Queres ajuda? – disponibilizou-se Pat em tom de gracejo.
- Bem, … - rindo suavemente – se fosse possível, não dizia que não, mas também tens o teu trabalho e estas actividades obrigam directamente à minha acção pessoal.
- Quando nos voltamos a encontrar? – quis saber Pat Le.
- Amanhã, logo depois do trabalho, já tenho agendada uma visita à minha mãe, vou também lá passar o fim-de-semana, fica a cerca de trezentos quilómetros de distância.
- Olha, … podemos ir à praia no dia feriado da próxima semana.
- Está bem, depois telefonamos a combinar - concordou Orisa e despediram-se.
Pat Le, no decurso da conversa, compreendeu perfeitamente que Orisa estava completamente disponível para se envolver numa relação de enamoramento e lembrando-se que esta ia visitar a sua própria mãe, sentiu um misto de inveja e saudade; antigamente tinha por hábito comunicar telefonicamente estas ocorrências e novidades com a sua mãe, agora já não podia, ela tinha falecido há pouco tempo; como resposta à frustração, e para aliviar o sofrimento, num comportamento deslocado e de substituição, decidiu telefonar à sua irmã:
- Olá mana! … tudo bem contigo?
Ouviu a voz do outro lado do telemóvel.
- Sim tudo bem! Então e contigo?
- Comigo também – respondeu – mas tenho uma novidade para te contar.
- Então mano, … diz lá! … - quis saber a sua irmã, ardendo em curiosidade.
- Olha, … há uma rapariga que está disponível para namorar comigo. Que achas?
- Não sei, … mas, … se ela quer e tu queres, … está tudo feito! – gracejou a irmã.
- Calma! ... Calminha! ... - exclamou Pat Le em tom brincalhão - eu sei que ela quer, mas ela ainda não sabe que quer, ...
- Como assim?! - interrogou a irmã em tom jocoso, entrando na brincadeira - ... não sabe que quer?! ...
- Bom, ... sabes como é, ... a incerteza da mente, ... faz da vida uma constante, ... ela apenas sabe que não sabe se eu quero, ... e ... não saber se eu quero, ... causa-lhe dúvidas, ...
- Quando voltas a estar com ela? - interrompeu a irmã, dando maior seriedade a conversa.
- No feriado que se avizinha, ... na próxima semana.
- Tú lá vês! - concluiu a irmã.
- Pois, logo se vê - rematou Pat Le - Tchau, depois falamos mais!
- Tá beeem, ... depois falamos!
Pat Le estava decidido, já lhe conhecia as principais fragilidades da mente, podia agora definir uma estratégia, na próxima semana iriam ambos à praia, e já para o fim da tarde, momentos antes de abandonarem a localidade beijaria Orisa levemente nos lábios; seria o início da relação emocional, da relação de enamoramento e amor; se possível procuraria beijá-la quando o sol se estivesse a pôr no firmamento, seria mais divertido e mais romântico, depois era só aprofundar a relação, estimular a eclosão de uma intensa sintonia de sincronização empática, até atingir um nível de rapport capaz de permitir o inicio da invasão mental.


CAPÍTULO III – Movimentações mentais
Era feriado, ninguém trabalhava, estava um bom dia de sol, quente e sem nuvens, a praia e o mar prometiam pelo que Pat Le telefonou a Orisa:
- Tá, … Orisa? É o Pat Le, …  - iniciando a conversa - estou-te a ligar, como tínhamos combinado, para irmos à praia, ...
- Vem ter a minha casa! – ouviu-se do outro lado.
- Não sei onde é, … - retorquiu Pat.
- Não faz mal, … eu ensino-te, …
Pat Le entrou no carro enquanto manteve a conversa por alguns tempos, precisava de orientação, precisava de localizar correctamente a morada de Orisa, …
……………………………………… CONTINUA …………………………….

                                                               Patrício Teixeira Leite
A CONTINUAR
Dia 26 de Março de 2018

O HACKER MENTAL

PRÓLOGO
Em silêncio absoluto, inerte, apática e sem qualquer movimento corporal ou resposta verbal, Orisa parecia olhar firmemente para o indefinido, repousava o olhar num vazio interior que não sabia explicar; dos olhos brotava uma lágrima, uma lágrima salgada que escorria lentamente pela face ebúrnea rosada, exposta ao sol ainda quente daquele entardecer.
- Essa tua apatia, esse silêncio defensivo, configura uma resposta comportamental à frustração causada pelas minhas interpretações dos teus conflitos interiores, das tuas ambivalências afectivas inconscientes, que não queres admitir – interpretou Pat Le.
Num ápice, Orisa muda subitamente, explode:
- Oh meu Deus, … mas que fiz eu …? Vá diz-me! … Diz-me! Diz-me! … Que fiz eu? – Bradava Orisa em altos prantos, com os braços abertos, gestos largos e bruscos, num choro copioso capaz de afectar emocionalmente qualquer espectador passivo que assistisse inadvertidamente aquela interacção intensamente relacional entre dois seres humanos, aparentemente apaixonados.
Pat Le sabidamente pensou:
- “Estão-se a esgotar as suas defesas mentais, usa o mecanismo da afectização comportamental como um dos últimos recursos defensivos.”
Como um hacker mental, conhecedor e experiente, Pat compreendia perfeitamente que a exuberância daquele comportamento emocional configurava o dinamismo de uma experiência emocional correctiva própria de uma breve relação transferêncial cuja origem primitiva radicava num passado longínquo organizado por vivências que agora se deslocavam projectivamente para a sua pessoa.
- Huuumm, … O teu passado pesa-te muito, … não pesa, ... ?


CAPÍTULO I – O Encontro
Pat Le acordou incomodado, era tarde, muito tarde; tinha combinado ir à praia com as suas amigas, o fim de semana estava a terminar, e nada, nada, ... nem praia, nem conseguiu resolver a duvida que, fazia alguns dias, lhe acorria ao pensamento. Sabia que no inverno anterior tinha conseguido uma grande descoberta científica, uma relação matemática que iria revolucionar o mundo, revolucionar a segurança informática mas também aspectos da genética e tantas outras áreas da ciência, mas andava incomodado, não sabia o que lhe reservava o futuro imediato, ... – “como será o meu próximo inverno?"– interrogava-se pensativamente.
Tocou o telemóvel, ...
- Sim, ... está bem! - Já aí vou ter! - concluiu Pat Le.
Era Osa, uma das amigas que por vezes acompanhavam Pat Le para a frequência assídua da praia. Quando se encontraram Osa perguntou:
- Importas-te que ligue à Andretta? – Ela disse que também queria ir à praia e pensei que nos poderia acompanhar.
Assim foi; Pat Le e Osa foram buscar Andretta a sua casa e os três amigos atravessaram a ponte 25 de Abril, antes ponte Salazar, e deslocaram-se no carro de Pat Le para o sol quente da Costa da Caparica. Enquanto Osa se mostrava uma mulher, do ponto de vista relacional, emocionalmente estável; Andretta tentava provocar, queria um envolvimento, uma relação emocional com Pat Le. Sabendo-se uma mulher mais avançada em idade, Andretta interrogou:
- Olha lá, oh Pat Le! – Que achas do namoro entre um homem e uma mulher mais velha? – a tonalidade comportamental, quase teatral, da sua pergunta, que reconhecidamente sabia ser falsamente  ostensiva, despertou imediatamente a atenção de Pat Le para a possibilidade de estar perante um traço de carácter histriónico, no entanto, preferiu ignorar; não a iria analisar nem invadir a sua mente mas compreendia-lhe os desejos, … os desejos e os interesses escondidos por detrás daquela pergunta, daquela e das outras:
- Bom, … - respondeu:
- Bom, … - repetiu - … se gostarem um do outro … no campo das relações amorosas … cada ser humano escolhe o que quer; pessoalmente adopto uma posição liberal.
- Ah, assim gosto! – exclamou Andretta teatralmente aliviada.
Osa interrompeu o diálogo:
- Estamos quase a chegar à praia!
Continuaram a conversa, já na praia, quando Andretta descobriu que Pat Le conhecia métodos de invasão mental pelo uso de várias técnicas que incluíam conhecimentos psicanalíticos, imediatamente lançou um desafio revelador da sua instabilidade emocional no campo das relações amorosas:
- Então vá, … Pat Le! – Faz-me psicanálise! – Invade a minha mente! – dizia ironicamente num tom simultaneamente de desafio mas também de quem pretende desqualificar as competências e capacidades do seu interlocutor. Pat Le impavidamente ignorou a provocação, não lhe deu resposta; mas quando Andretta foi sozinha mergulhar o corpo nas águas oceânicas da Caparica, voltou-se para Osa e interrogou:
- Já viste Osa? – A Andretta está a provocar! – Que achas?
- Se ela quer, … - respondeu Osa - então acho que tu a deves analisar.
- Bom, … - murmurou Pat Le calmamente – qualquer analise é sempre ansiogénica; ainda por cima esta será uma análise selvagem, uma análise que terá o mero propósito de lhe invadir a mente, de lhe mostrar quem sabe invadir …
- E isso vai-lhe causar sofrimento?
- Sim, claro, gera ansiedade e ansiedade é um medo sem objecto, … é um medo … o sofrimento causado tem a natureza do medo.
- Como fazes? – ainda quis saber Osa.
- São utilizadas várias técnicas, … não é apenas a associação livre da psicanálise, … ela vai sofrer e defender-se desse sofrimento e as defesas que ela utilizar, designadas defesas do ego, serão analisadas e destruídas o que lhe vai agravar continuamente o sofrimento, … depois de destruídas as defesas do ego, o seu inconsciente fica à disposição e pode ser calmamente invadido, … – entretanto Andretta saiu do mar e aproximava-se de ambos a correr pelo que Osa rematou baixinho e muito rapidamente:
- Então não! Não lhe causes sofrimento! Coitada da Andretta! – murmurando – mal ela sabe naquilo que se ia meter!
- Olha Osa, está tanto calor! Agora vou eu dar um mergulho!
Dirige-se para o mar e quando passa pela Andretta, pergunta:
- Então Andretta! A água está boa?
- Sim está óptima! Um pouco fria, custa a entrar mas depois, lá dentro, está-se bem!
Enquanto entrava vagarosamente no oceano e saboreava a frescura das águas marítimas da praia da Caparica, Pat Le pensava na psicanálise e na sua aplicação a Andretta com fins meramente manipuladores, pensava no desafio que esta lhe lançou e no significado oculto desse desafio, sabia que Andretta teve dois casamentos prévios e outros tantos divórcios, teve um sem número de relações amorosas, mais ou menos estáveis, mas que sempre terminaram sem sucesso. A princípio, quando a conheceu, ainda admitiu a possibilidade de Andretta estar insegura da sua orientação sexual e, por isso, tentar múltiplas relações com homens diferentes; porém a continuidade da interacção e a descoberta de que Andretta ansiava por uma relação estável com um único homem e se sentia profundamente frustrada por o não conseguir fez Pat Le mudar de opinião e procurar uma explicação alternativa; na realidade Andretta era uma mulher que gostava de provocar e desafiar os homens, gostava da luta e da competição com os elementos do sexo masculino, além de provocadora tentava também estabelecer sempre algum tipo de desafio, mais ou menos, conflituoso e competitivo na sua relação amorosa, na sua relação com os homens; foi esse traço de carácter que levou Pat Le a pensar numa complexa frustração primitiva por resolver, uma frustração insanável no desenvolvimento da sua sexualidade que a conduzia a reivindicar a masculinidade própria do homem, própria de quem tem um pénis; esses comportamentos teriam obrigatoriamente origem num complexo de castração ao longo do desenvolvimento da sua sexualidade; o seu problema fundamental na relação amorosa com o sexo masculino era a competitividade desencadeada pelo seu complexo de castração; poderia ter-se tornado feminista e defender intransigentemente a supremacia das mulheres com os respectivos poderes e direitos superiores, mas não, simplesmente rivalizava, sempre competitivamente, com qualquer homem que concretamente conseguia envolver numa relação propícia ao início do amor.
- “Descobri os fundamentos relacionais do comportamento amoroso de Andretta, …” – pensava reflectidamente Pat Le enquanto tentava avançar na compreensão da motivação escondida no inconsciente mas que determinava a vida mental amorosa de Andretta  – “ Agora poderei definir uma estratégia de manipulação mental, mas … para quê? Ela nem sequer me interessa! Para quê gastar o meu tempo e esforço com ela?”
Pat Le sabia que a manipulação mental pelo uso de técnicas psicanalíticas selvagens exige muito do manipulador, exige não apenas uma concentração desgastante mas também o estabelecimento de uma relação de intensa sintonia empaticamente sincronizada, uma espécie de rapport semelhante ao que ocorre nas relações hipnóticas e na sedução amorosa; a psicanálise selvagem com propósitos de manipulação mental não doseia nem controla o nível de ansiedade inoculada pela interpretação e destruição das defesas do ego mas, simplesmente, destrói as defesas com o intuito de avançar na invasão.
Completamente absorto nos seus pensamentos reparou, ao longe, no vulto de uma mulher que se aproximava; os cabelos ondulando com a leve brisa marítima, primeiro nada conseguia distinguir, depois começou a esboçar-se uma figura feminina quase sorridente; não lhe era completamente desconhecida mas também não lhe recordava qualquer amizade, ignorava qualquer familiaridade ou proximidade; discretamente afastou-se do mar, nem chegou a mergulhar; essa mulher, essa figura feminina agradou-lhe pelo que a queria conhecer.
- Olá! - disse a mulher quando os olhos, de ambos, se encontraram.
- Olá! - respondeu maquinalmente Pat Le. - Conhecemo-nos? - e continuando em tom de brincadeira jovial, interrogou - Deixa-me ver, andaste na mesma escola que eu?
- Exactamente! - respondeu a mulher com um sorriso aberto - chamas-te Pat não é verdade?
- Sim, sou o Pat Le, e tu és a Orisa? - Certo?
- Certo! – exclamou.
Após uma breve conversa de sintonia empática e reconhecimento, decidiram imediatamente ceder os telefones de contacto e combinaram, desde logo, um almoço futuro num restaurante próprio para trabalhadores da função pública, ambos desempenhavam funções de servidores públicos. Continuaram a conversa, cada um relatou um pequeno resumo histórico dos seus antecedentes da vida pessoal e reviram os velhos tempos de escola. Estavam muito entusiasmados, a sincronização empática era bem patente; olhavam-se demoradamente nos olhos como que a tentar perscrutar as emoções e sentimentos do outro mas também a revelar as intenções e os desejos de se conhecerem melhor, por vezes, Orisa passava as mãos nos cabelos, como que os alisava numa tentativa de melhorar a sua aparência, queria agradar e cativar; Pat demonstrava todo o seu apreço e consideração por Orisa com elogios frequentes, quando momentaneamente se lembrava que pretendia impressionar favoravelmente a sua antiga colega de escola, imediatamente lhe elogiava a aparente jovialidade corporal enquanto encolhia discretamente a própria barriga, o baixo-ventre, numa tentativa de parecer mais magro, mais alto e mais jovem; havia um desejo mútuo de agradar, um desejo inconsciente de sedução e aprofundamento do conhecimento e da relação pessoal.
- Pareces mais alto! – exclamou Orisa – Ainda te dedicas, como dantes, aos pensamentos filosóficos e aprofundamento insaciável do conhecimento em geral? – perguntou.
- Sim, tento ser cada vez melhor – respondeu Pat – faço da minha vida uma tentativa constante de melhorar, cada vez mais, as minhas capacidades mentais.
Foram duas as palavras que, fora de contexto, lhe chamaram imediatamente a atenção “… como dantes …” pensou muito rapidamente, num ápice:
- “… como dantes … Orisa sabia que eu gostava de pensar e obter conhecimento? Mas, na escola, nem sequer éramos amigos chegados? Quando frequentávamos a escola, Orisa estava focalizada em mim, … ela gostava de mim, … “ – concluiu.
- Como sabes que eu sempre gostei de pensamentos filosóficos e do conhecimento em geral?
Orisa, tentando disfarçar:
- Bom, … huuum, … beeem, … hãã, … lá na escola, todas nós raparigas, sabíamos que dos rapazes tu eras o mais inteligente e mais sabedor, e ainda por cima adoravas pensar e adquirir novos conhecimentos – elogiou abertamente enquanto se tentava safar com uma resposta airosa e bem construída.
- “É inteligente, … mostra o contraste e contextualiza as ideias de rapazes e raparigas, … está a procurar engatar um homem e esse homem agora sou eu, … “ – pensou Pat Le.
Ouviu Osa que, ao longe, o chamava enquanto lhe acenava com a mão.
- Olha Orisa, vim à praia com duas amigas e uma delas está a chamar-me, …
- Está bem – afirmou Orisa – depois telefonamos e combinamos o almoço, … gostei de te rever! – exclamou.
Despediram-se. Pat Le foi ter com as amigas que o aguardavam ansiosamente.
- Quem era aquela pirosa? – quis saber Osa numa tonalidade irónica levemente agressiva revelando uma resposta à frustração, não sua mas como que encarnando em si própria a introjecção projectiva, defensiva da rivalidade ciumenta, que sabidamente reconhecia estar presente na sua amiga Andretta.
Pat Le compreendeu imediatamente a frustração das forças libidinosas em causa assim como a dinâmica interpessoal da amizade entre ambas as mulheres numa identificação projectiva capaz de acalmar os conflitos interiores mas também interpessoais, fingiu ignorar.
- Uma antiga colega de escola. – respondeu.
- Só isso! – exclamou Osa – não parecia nada, … !
- E o modo como te olhava fixamente nos olhos! – referiu Andretta – e alisava os cabelos, … e se aproximava continuamente de ti, … parecia que queria comer-te, …  - continuou num tom irónico típico de uma resposta a frustração moderadamente agressiva.
- Vá meninas, … deixem-se de ciúmes, … - ironizou Pat Le entrando na brincadeira da frustração castradora.
- Ciúmes noóos … ?! – responderam ambas em uníssono. E continuaram numa amiga e divertida conversa a três, até ao fim do dia, altura em que, já quase noite, regressaram às respectivas residências.
Pat Le tinha encontrado na sua antiga colega de escola, Orisa, uma mulher sedutora e capaz de ser seduzida, uma mulher não apenas própria para o estudo e compreensão emocional mas também capaz de valer o esforço de uma invasão mental. Começou imediatamente a pensar, a procurar definir uma estratégia, quando da próxima vez se encontrassem no restaurante dos funcionários públicos, avançaria, … talvez iniciando com o estudo analítico das fragilidades mentais, com a análise das portas do inconsciente e respectiva abertura; primeiro tinha de rastrear as portas, com o scan das portas esperava conseguir descobrir aquelas que estavam abertas, ou mal protegidas, e só depois poderia tentar entrar-lhe nas profundezas da mente.


CAPÍTULO II – As fragilidades da mente
Como era habitual, um traço de carácter comportamental típico de Pat, chegou atrasado ao encontro com Orisa. Sentada numa mesa, na esplanada, junto ao restaurante, conversava com amigos comuns que acabara de descobrir; Pat desculpou-se com a intensidade da carga de trabalho, …
……………………………………… CONTINUA …………………………….

                                                               Patrício Teixeira Leite
A CONTINUAR
Dia 6 de Março de 2018